segunda-feira, 17 de novembro de 2014

"Você não é a mãe preta do leite" - relato de amamentação



Sempre soube que eu ia amamentar. Desde quando meus seios cresceram, aos 9 anos. Menstruei cedo, me desenvolvi cedo, então aos 9 pra 10 anos já tinha seio. Muito maior que as meninas da minha idade. Maior que os das meninas mais velhas. 

Cresci achando meus seios lindos e morrendo de orgulho pois iria meus filhos teriam amamentação materna exclusiva e em livre demanda pelo menos até o 6º mês e obviamente nós seguiríamos com a amamentação até os 2 anos ou mais. 

Um dos primeiros sintomas de gravidez que eu notava eram os seios maiores e mais sensíveis.  Todos falavam que eu ia ter muito leite. Minha mãe, minhas avós, todas amamentaram. Ninguém teve dificuldade nenhuma. Meus seios nunca chegaram a vazar durante a gravidez, mas eu sabia que isso não era um problema, meu peito tinha sido feito pra amamentar,  a mulher tem a capacidade de amamentar e a criança tem o reflexo de aprender a mamar,  então é a ordem natural da coisa.  A criança nasce, mama na primeira hora de vida, e logo o colostro vem e tudo vai se ajeitando. É um pouco difícil, tem que acertar a pega, o peito pode empedrar, o bico rachar, mas tudo se acerta com paciência, esforço e dedicação. E muito amor. 

Na vida real, quando Isha Bentia nasceu numa cesária "de emergência" às 38 semanas e 1 dia eu ainda não tinha leite. Nem colostro. Nem uma gotinha de nada se me apertasse o seio. Tudo bem, não precisa sair quando aperta, a sucção do bebê é muito mais eficiente.  Ela nasceu quase de madrugada, depois de eu ter passado um dia inteiro na emergência do hospital fazendo exames, observando, em jejum, cansada, com sono. Sem nenhuma experiência com bebês e me sentindo totalmente incapaz de ficar com uma recém-nascida sem a supervisão de alguém experiente,  eu inocentemente aceitei que ela passasse a noite toda no berçário. Lógico que lá ela tomou fórmula na chuquinha pelo menos umas 3 vezes.  Quando veio pro quarto pra mim, ela tinha acabado de tomar uma chuquinha com fórmula (eu pedi pra ela vir as 6h da manhã e ela só chegou as 7h porque estavam dando fórmula antes de mandar pra mãe!!!!).  Praticamente não orientavam como colocar para mamar. Às vezes que eu pedia ajuda e  a equipe chegava, tentava colocar meu seio na boca da bebê por alguns minutos, não saía nada. Então eles falavam pra dar a chuquinha e depois tentar de novo na próxima mamada dali a 3 horas. 

Resumo da história: a menina tomou fórmula desde a maternidade. Tentei tirar no primeiro mês e para isso fui a banco de leite, acertei a pega, a pediatra deu todas a orientações para ficar só amamentando, deixava ela mamar em livre demanda mesmo que isso significasse ficar o dia inteiro com ela no peito. Fazia a massagem que eu aprendi antes de amamentar, tentava ficar em um ambiente tranquilo e relaxada. Não acreditava nessas coisa de que tinha que comer isso ou beber aquilo, mas seguia firme a recomendação de comer bem e beber muito líquido. Porém, ao final do primeiro mês ela não teve o ganho esperado de peso, mal recuperou o peso de nascida então bateu o desespero e passamos a complementar de rotina.  Foi um baque pra mim. Fiquei arrasada, destruída, todas as minhas fantasias sobre a amamentação ruíam e eu fiquei sem chão. Pra mim era 8 ou 80. Se era o complemento que alimentava ela, ela não precisava ficar no meu peito. Colocá-la pra mamar só me deixava deprimida. Me sentia traída cada vez que alguém se oferecia para dar mamadeira pra ela, como se aquela pessoa desejasse secretamente que eu falhasse na amamentação para que ela pudesse alimentar minha filha. O marido se tornou o principal culpado de tudo isso. Além de ter me falado de brincadeira antes da filha nascer que precisava comprar Nan pra ela ficar forte, foi a primeira pessoa que eu vi dando chuquinha pra ela. Me senti desnecessária. 

Depois de muito sofrer, percebi que a amamentação não era só o alimento. Tinha também a parte dos anticorpos, do vínculo que se construía quando aquele serzinho ficava te olhando nos olhos com os seios na boca. Tentei reverter a situação, fizemos a técnica da relactação para estimular a produção do leite, aluguei uma bomba e nos horários que ela não estava mamando eu tentava tirar um pouco de leite pra estimular o seio e pra fazer a translactação com o meu próprio leite. Quando não utilizava a técnica da relactação, dava os fórmula com colherzinha ou no copinho, para que ela não se acostumasse com o bico da mamadeira. Não dava chupeta por não achar necessário e para não haver confusão de bicos.

Com o tempo, tudo foi ficando cada vez mais difícil e acabamos optando pela praticidade de deixar ela um pouco no peito e depois dar a mamadeira. E assim foi até os 7 meses, quando Isha Bentia mordeu meu seio, eu reclamei com ela e ela nunca mais quis mamar. 


Com Mini Bentia eu tava certa de que tudo seria diferente. Não deixaria que dessem fórmula na maternidade. Já sabia que eles nascem com uma reserva e que as poucas gotinhas de colostro que saíssem eram suficientes para o que ela precisava no hospital. Não deixaria ela ficar um segundo sequer fora da minha vista e ninguém daria fórmula pra ela escondido de mim. Levaria a gravidez até o máximo possível para que ela nascesse quando nós já estivéssemos prontas e o leite viesse com mais faculdade. Estava me preparando para um parto natural humanizado, mas sabia que talvez não fosse rolar. Tudo bem, o importante é que eu ia amamentar numa boa depois. 

Mini Bentia nasceu uma cesariana intra-parto com 39 semanas e 5 dias. Nasceu de madrugada e foi direto pro peito. Eu parecia uma zumbi de tanto sono mais não deixei ela ficar no berçário. Colocava ela no peito a todo instante, e quando apertava via umas gotinhas de colostro. A equipe do hospital sempre vinha me orientar em como amamentar, como acertar a pega. Não sei porque isso aconteceu, mas a glicose de Mini Bentia baixou mais que o esperado. Vieram com um copinho de fórmula infantil pra que eu desse pra ela. Não dei. Deixei ela no peito torcendo pra ser o suficiente e foi. Por pouco tempo. Na outra medição a glicose estava normal, e eu fiquei mais tranqüila. Achei que tivesse evitado que ela tomasse fórmulas já no hospital. No dia seguinte, levaram Mini Bentia ao berçário pra fazer algum exame e quando voltaram com ela me avisaram que tinham dado fórmula pra ela. Surtei. Falei q não eram pra ter feito isso sem a minha autorização. Chorei horrores, alto, berrando. Muito. Um escândalo mesmo.  A técnica de enfermagem que fez isso nunca mais apareceu na minha frente. O marido ficou preocupadíssimo e começou a procurar um banco de leite, pra ver se complementando com leite humano caso fosse necessário eu ficaria mais calma. Veio um enfermeira especialista em amamentação ficar comigo em todas as mamadas me ajudando (obrigada Paloma!). A pediatra me ligou pedindo desculpas por não ter me avisado que isso poderia acontecer, ficou um tempão no celular só me ouvindo chorar. E olha que eu fiquei um tempão chorando mesmo, sem dizer uma palavra sequer!!! Te amo Fabíola! 


A via crucis com Mini Bentia foi: amamentação em livre demanda com pega correta, retirar leite na bombinha e dar na colher, no copinho e depois passamos pra translactação, 3 pediatras  e todas falando que eu tinha condições de amamentar sem precisar complementar, família me mandando descansar, consultora em amamentação, grupo virtual de apoio a amamentação, remédio pra ansiedade, terapia de casal, oscilações entre a vontade de continuar e a decisão de não amamentar mais pra não ficar nesse estresse todo e Mini Bentia sempre ganhando menos peso que o esperado, com dificuldades pra recuperar o peso do nascimento. Tudo isso temperado com crises de choro da mãe, vontade de desistir de tudo, medo, estresse, frustração por precisar fazer outra cesária, por não amamentar exclusivamente... Ou seja, sintomas da depressão pós-parto.

Nada disso me dava paz, me senti a mais fracassada das mulheres, algo deveria ser muito errado em mim por eu não conseguir amamentar minhas crias sem precisar de complemento.  O marido, na tentativa de entender porque aquilo tudo me perturbava dessa maneira, me disse "Lu, porque você fica desse jeito? As meninas estão bem, você está amamentado, só precisa de ajuda!" Argumentei que eu não podia nem nutrir as minhas filhas, se  fosse antigamente e não houvesse fórmula elas iriam morrer de fome (dramática!) por minha culpa. Ele logo complementou "você não é a mãe preta do leite.".


Essa frase foi pra mim a revelação de tudo. Me fez realmente refletir sobre toda a expectativa que eu mesma coloco sobre mim. Sim, eu me sentia a mãe preta do leite. Aquela que amamenta todo mundo com seus seios fartos que estão sempre jorrando leite. Aquela que faz os bebês ficarem roliços, cheios de dobrinhas só com o seu leite. Não, eu não sou esta. E não, minhas bebê nãos são do tipo roliças. Não, seios grandes não é garantia de ter muito leite. Mas não vazar e não empedrar também não é garantia de que não tenha leite suficiente. E leite materno nunca é fraco. 

Tenho certeza de que pra Mini Bentia eu tive leite suficiente para seguir com amamentação exclusiva. Mas não tive condições psicológicas pra seguir sem complementar. Com Isha Bentia também, mas não tive tanto suporte quanto eu precisava. 

Quem sabe numa próxima (o marido pira quando eu venho com essas ideias!) eu consiga mais paz de espírito pra lidar com essa situação e até consiga finalmente amamentar exclusivamente? 


Ps: Eu estou me prometendo escrever um relato de amamentação há tempos. Hoje ele nasceu em plena madrugada, depois da felicidade imensa de poder pegar Mini Bentia no colo e colocá-la novamente no peito depois de 10 dias. Mini Bentia segue internada, mas já se alimenta e já mama. E como mama essa pequenininha! 




domingo, 16 de novembro de 2014

Bombonzinho


Mini Bentia está internada. Estamos em um hospital particular, em uma região valorizada da cidade. Não é uma região rica, mas é uma região de uma classe média bem de vida. 


Dito isso, é possível imaginar a quantidade de negros que circulam por estes corredores. Não digo como faxineiros, copeiros e funcionários responsáveis pela manutenção. Quero que imaginem a quantidade de negros como pacientes e médicos. Se vocês imaginaram quase nenhum, acertaram em cheio. 


Não percebi nenhuma diferença de tratamento, as médicas, enfermeiras, técnicas de enfermagem, fisioterapeutas e etc foram muito atenciosos conosco e carinhosos com Mini Bentia. Mas algo me chamou atenção de imediato. 


O pessoal de saúde tem o péssimo hábito de chamar as mães de “mãezinha”. Existe toda uma discussão nos fórum de maternidade falando o quanto esse termo é pejorativo e desrespeitoso. Então, a partir desta internação de Mini Bentia percebi que todas as crianças negras devem ser “bombonzinho”. Mini Bentia já tinha sido chamada de “bombonzinho”em outra ocasião por alguém da área de saúde durante um atendimento, mas na ocasião eu achei que fosse um modo de se expressar daquela profissional e não uma coisa institucionalizada. 


No meu atual nível de problematização da coisa, não vejo o apelido “bombonzinho” como algo ruim a priori que me faça intervir exigindo que não chame a minha filha desse modo. Mas vejo claramente que há um estereótipo aí. Não é nada, não é nada, mas já é uma maneira de marcar e diferenciar aquela criança. E de evitar os termos negra e preta. 


Com isso tudo, gostaria saber se existe um apelido universal para todas as crianças brancas que os profissnais de saúde usam ao cuidar delas. E se nos hospitais públicos, nos quais grande parte dos usuários são crianças negras, há essa tipo de atitude de chamar as crianças de bombonzinho.


Por quais apelidos já chamaram seus filhos durante atendimento de saúde? E aí, alguma mãe preta já reparou se seus filhos são sempre chamados de “bombonzinho” durante os atendimentos de saúde? 

Que comecem os trabalhos!!!

Que comecem os trabalhos!!!


Depois de muito pensar, relutar, ponderar e adiar finalmente decidi iniciar um blog. Cheguei àquele ponto na vida no qual precisamos parar um pouco, refletir sobre nossos caminhos e escolhas, avaliar os rumos que a nossa vida toma é realinhar o prumo se preciso. E nesse processo de auto-aceitação e auto-conhecimento eu vi no blog uma maneira de externar as palavras que vivem presas dentro de mim. 



Optei por falar sobre maternidade porque é algo que me move. Porque, assim como muitas mulheres por aí, eu nasci pra ser mãe. E é tão complicado constatar isso sabendo que o ser humano nasce pra ser múltiplo, pra ser tudo que ele quiser ser. Não me entendam mal. Mulheres não nascem pra ser mãe. Tornam-se mães ao longo da vida, por escolha ou contingência, e podem inclusive optarem por viver essa maternidade ou não ao longo do processo. Eu sei disso. Mas quando eu olho pra minha vida, minha história, meu passado, minha personalidade, vejo que tudo que mais me dá prazer e me motiva tem a ver com a maternidade. 



Hoje eu sou mãe de duas meninas. Mas já fui mãe de cachorros, mãe de filhos imaginários, mãe de bonecas, mãe de anjos, mãe de afilhados… E sejamos sinceros, quem se sente vocacionado à maternidade não deixa de ser mãe nunca! Hoje eu sou mãe desse povo todo citado (sempre no plural, família grande é tudo de bom!) e ainda tem espaço pra mais filhos, é só chegar!


Isha Bentia é minha filha mais velha, hoje tem 2 anos e 2 meses. Foi uma gravidez em que eu vivi para esperá-la. Gravidez de risco, repouso absoluto, muito tempo deitada, muito medo de perdê-la. Mas a menina chegou bem, com saúde, dissipando os fantasmas das perdas anteriores e trazendo alegria e luz pra toda a família. Realizei o sonho de ser oficialmente mãe (já era mãe de duas estrelinhas que depois conto melhor nos meus relatos de aborto).


Com a chegada de Mini Bentia, minha caçula de 8 meses, bem em meio ao processo de chagada aos trinta, e diante da grande possibilidade desta ser a última gravidez, a minha ficha caiu: “pronto, sou mãe e agora?” Vi que quero criar minhas filhas segundo meus próprios princípios e não só reproduzir automaticamente o que se faz por aí ou o que foi feito pelos nossos pais.

Mas para isso, é preciso refletir sobre quais são esses princípios, refletir sobre o que eu acredito, refletir sobre como suas relações se dão, sobre os meus desejos e os desejos delas. Afinal, as meninas não são uma tabula rasa esperando que eu deposite todas minhas crenças e as construa à minha maneira. São seres humanos autônomos, sujeitos de direitos e de desejos, que devem ser respeitadas. 

Espero que esse espaço seja pra isso, para que eu possa pensar e construir uma maneira de maternar. Que eu possa trocar com vocês expectativas e experiências, aprender e ensinar e com isso vamos juntos trilhando nossos caminhos. 



Sejam bem-vindos!!
Que comecem os trabalhos!!!